Direito ao crédito de ICMS sobre as mercadorias destinadas ao uso ou consumo: Sexta postergação

O senado aprovou em 16/10/2019 projeto de lei complementar 229/2019 [1] que posterga para 2033 a possibilidade de as empresas usufruírem de seu direito de apropriar créditos de ICMS sobre mercadorias destinadas ao uso e consumo. Desde a criação da Lei Kandir (a mais de 20 anos) que o direito legítimo dos contribuintes vem sendo adiado. Essa é simplesmente a sexta vez. O projeto de lei complementar segue agora para analise da Câmara dos Deputados.

A justificativa para a postergação é aquela que todos já esperavam: A crise fiscal dos Estados da Federação. Conforme consta nos termos de justificação do projeto em questão, desde 1997 vem ocorrendo o adiamento e o tema perpassou etapas de crescimento econômico do País sem que a norma fosse revogada. Dessa forma, neste momento em que os Estados encontram em déficit com suas contas, não faria qualquer sentido permitir mais créditos pra empresas e desfalcar ainda mais os cofres estaduais.

A pergunta que fica no ar é a seguinte: O que os contribuintes têm haver com a má gestão dos governos estaduais? Já não se pagam muitos tributos para manter um Estado inoperante, tem as empresas que pagar ainda pela ineficiência na gestão pública?

O que ocorre na pratica é a restrição descarada de um direito legitimo que a CF/88 [2] garante pela não cumulatividade do ICMS. Alem de trazer prejuízos financeiros as empresas, essa medida continua por trazer insegurança jurídica já que os contribuintes e o fisco têm posicionamentos distintos daquilo que pode ser utilizado ou enquadrado como uso ou consumo.

Esse é um exemplo clássico de medidas legislativas que deviam ser banidas do nosso ordenamento jurídico. A própria Lei Kandir permite o uso de créditos de ICMS sobre mercadorias destinadas ao uso e consumo em seu artigo 20. Porem o legislador usando a habitual artimanha posterga, em seu artigo 33, a sua aplicação para determinada data. Data essa que vem sendo adiada por meio da edição de novas Leis Complementares.

Muito se fala a respeito de complexidade do sistema tributário brasileiro e a necessidade de uma reforma. O sistema constitucional tributário no Brasil não é tão complexo, alias é bem dividido e estruturado. O nosso problema maior são as normas legislativas (complementares e ordinárias) e administrativas que quase sempre desidratam os preceitos constitucionais e embaralha a cabeça dos contribuintes trazendo sempre novos litígios.

Com exemplo de uma dessas discussões, no caso específico do ICMS sobre itens destinados ao uso e consumo, tem-se a compra de pneus que são utilizados por empresas de transporte. Considerando o tempo de vida útil de um pneu, não há possibilidade de classificá-lo como parte integrante do ativo imobilizado da companhia. Também seria incoerente enquadrar um pneu na atividade de transporte como uma matéria prima ou material intermediário. Restaria nesta hipótese classificá-lo como mercadoria destinada ao uso e consumo já que será substituído de forma rotineira não afetando o ativo principal (veículo de carga)

Porém, como exemplo, o SEFAZ/SP não reconhece o direito ao crédito de ICMS na aquisição de pneus para uso em frota própria do contribuinte prestador de serviço de transporte. [3]

Não adianta reformar a Constituição de ponta a cabeça como se pretende com as atuais reformas tributárias se o nosso Poder Legislativo continua a pecar na elaboração das leis. É preciso ética, justiça e coerência no ato de legislar e sempre mantendo a finalidade das leis na direção que a Constituição Federal designou.

Mudar o sistema tributário atual apenas por intenções políticas, apenas para dizer que “estamos mudando”, será um ato fatal que pode trazer prejuízos inestimáveis ao País, piorando ainda mais a situação econômica ao qual nos encontramos.

É preciso aprender com os erros do passado.

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